sábado, 24 de julho de 2010

Perseverança

O tempo acaba o ano, o mês e a hora,
A força, a arte, a manha, a fortaleza;
O tempo acaba a fama e a riqueza,
O tempo o mesmo tempo de si chora;

O tempo busca e acaba o onde mora
Qualquer ingratidão, qualquer dureza;
Mas não pode acabar minha tristeza,
Enquanto não quiserdes vós, Senhora.

O tempo o claro dia torna escuro
E o mais ledo prazer em choro triste;
O tempo, a tempestade em grão bonança.

Mas de abrandar o tempo estou seguro
O peito de diamante, onde consiste
A pena e o prazer desta esperança.



Que esperais, esperança? Desespero.
Quem disso a causa foi? Üma mudança.
Vós, vida, como estais? Sem esperança.
Que dizeis, coração? Que muito quero.

Que sentis, alma, vós? Que amor é fero.
E enfim, como viveis? Sem confiança.
Quem vos sustenta, logo? Üma lembrança.
E só nela esperais? Só nela espero.

Em que podeis parar? Nisto em que estou.
E em que estais vós? Em acabar a vida.
E tende-lo por bem? Amor o quer.

Quem vos obriga assim? Saber quem sou.
E quem sois? Quem de todo está rendida.
A quem rendida estais? A um só querer.


Luís de Camões

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